O que é Celas de aula?

Este blog tem por objetivo detalhar minha experiência como professora de uma unidade da Fundação Casa em São Paulo (antiga Febem)

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Tatuando os significados

As tatuagens de cadeia são verdadeiras obras primas! Como já disse em outras postagens, tem as "detonadinhas", disformes, que precisam de legenda (eles fazem legenda quando precisa!), mas a maioria é coisa de profissional.

Quando entro para dar minhas aulas, conto todo o material que levo, pois tenho que devolvê-lo na sala dos professores. No dia a dia levo 15 lápis, 15 borrachas, 15 canetas e 1 apontador. Anoto e confiro na saída. Um dia desses apliquei a provinha das Olimpíadas de Matemática, cada prova acompanhava uma folha de gabarito unida com ingénuos clipes, ingénuos só se for para mim....

Os clipes são ferramenta de tatuador de cadeia. Quando eles me entregaram as provas nenhum clipes foi devolvido, e um deles me disse que era para as tatoos. Muitos fazem tatuagens pela estética, sem se preocupar com o significado, outros fazem para serem respeitados entre os seus, marcando o corpo com símbolos de crimes cometidos e até que não fizeram, pois assim, eles terão mais dignidade num enfrentamento. (soube disso porque um aluno me confessou que está preso por tráfico, mas seu corpo denúncia entre outros crimes, latrocínio, matador de polícia, e isso dá a ele um respeito entre os seus pares)

Me chocou saber que nem todas as tatuagens são feitas com autorização do dono do corpo tatuado! Algumas tatuagens são obrigatórias e feitas de forma cruel. Entende-se que alguns crimes precisam ser marcados para que todos saibam quem não é confiável, quem estuprou ou é gay, dentre outros.

O primeiro passo é desenhar em folha de caderno com as canetas que nós professores levamos para a aula. Os cordenadores nos dizem para não deixar que eles façam desenhos, mas isso está fora de cogitação, se eu disser qualquer coisa contra, eles somem com a caneta pro banheiro e eu quase infarto! (sim, já aconteceu!)

Depois de desenhado, é transferido para o corpo, como figurinha de chiclete ploc. Em cima do desenho, são feitas as perfurações com canetas ou clipes. Existe tinta própria de tatuagens que eles conseguem de uma forma "suspeita", que não cabe a mim saber. Me limito a "desvendar"os códigos.

TEIA DE ARANHA: lembrança de um compromisso, podem ser em qualquer lugar do corpo, é preferivel nas articulações em função do movimento;

CADEADOS: tem segredos inconfessáveis, geralmente feito nas costas; (já vi no rosto! Deve ser um mega segredo!)

PONTINHOS:vária de acordo com a quantidade. Geralmente estas tatuagens de pontinhos são feitas sem autorização, na marra mesmo.
UM PONTINHO NO ROSTO: homossexualidade passiva;
UM PONTINHO NAS MÃOS (entre os dedos polegar e indicador): batedor de carteira;
DOIS PONTINHOS (entre os dedos polegar e indicador):roubo;
TRÊS PONTINHOS (entre os dedos polegar e indicador): Tráfico leve;

PALHAÇO: pequenos roubos ou furtos, geralmente feita nas costas ou braços, o dono desta tatuagem são vistos como os "ligth", os "filhotes";

CURINGA: costumam vir acompanhadas de outros códigos, como uso de drogas, armas, letras, simbolizam crimes leves, aprendiz;

CRUZ: pode simbolizar morte, segredo, assassinato, depende do contexto;

CRUZ COM CAVEIRA CENTRALIZADA: detento que exerce função de líder, confia e é de confiança de seus pares;

CAVEIRA APUNHALADA: servem para intimidar, representam que o dono dela é experiente;

MAIS DE UM CRUZ: corpo fechado, protegido por Deus e por seus grupo;

CRUZ COM VELAS: alta periculosidade, costumam ser centralizadas no peito ou no braço;

PEÇA DE QUEBRA CABEÇA: parte importante na cabeça de um grupo, aspirante a líder, dono;

CARPA DE BOCA PARA CIMA: a mais tatuada, um "clássico" de cadeia. A Carpa é o principal símbolo do PCC, se estiver de boca para cima é sinal de que o objetivo já foi alcançado, costuma ser a tatuagem principal, centralizada e motivo de orgulho;

CARPA DE BOCA PARA BAIXO: também se refere ao PCC, porém ela é mais tímida, costuma ser feita em regio˜es do corpo que podem ser facilmente tampadas, porque a mais esperada é a carpa com boca para cima, que terá lugar de destaque no corpo;

COBRA: vitorioso, ardiloso, "escorregadio", díficil manter preso;

SACI: usuário e/ou traficante de drogas, geralmente nas panturrilhas;

FOLHA DE MACONHA: usuário e/ou traficante de drogas, o tamanho da tatuagem é significativo, quanto maior, mais importante no tráfico;

DATAS: marcos importantes, pode vir acompanhado de nomes de filhos, esposas, namoradas, companheiros que morreram; (evitam tatuar nome de companheiros vivos, pois pode ser interpretado como homossexualidade, além de poder ser "caô")

NOMES: a mãe costuma ser a pessoa mais adorada pelos detentos, pois elas geralmente são as únicas visita que não costumam falhar, motivo este que merecem lugar de destaque no corpo, os nomes costumam vir acompanhados de frases, dedicatória, agradecimento;

JOGO DA VELHA: truncado, mal resolvido;

X PONTILHADO: chefe de quadrilha, geralmente é feita nas costas;

ANCORA: esperança em ter uma vida fora da "bandidagem";

CAVEIRA COM PUNHAL: esta é polêmica. Simboliza que matou policial, mas ela geralmente é falsa, pois os "mano"que realmente mataram policiais não se entregam em tatuagens, Costumam ser feitas por amadores que buscam respeito entre seus pares;

DIABO: prazer com a morte cruel, com requintes de crueldade em seus atos;

PISTOLA: preso por ter usado tal objeto para matar, geralmente fica localizada na panturrilha;

SEREIA: normalmente são as mais "detonadinhas"até porque são feitas na marra, a força, simbolizam estupro, maníacos sexuais, homossexuais que cometeram atentado violento ao pudor, ficam desenhadas de preferência na panturrilha da perna direita;

CIRCULO COM UM X DENTRO: assalto a banco, geralmente ficam discretas;

ESTRELA: funciona como um amuleto para evitar prisões, geralmente é centralizada no peito, braço ou costas;

NOSSA SENHORA: este símbolo é ambíguo, depende do contexto, do local tatuado e do tamanho. Se grande, sinal de pedido de proteçãopericulosidade, cumpre penas pesadas;

JESUS CRISTO: se estiver crucificado simboliza latrocínio e/ou assalto com vítimas; sem cruz é devoção;

ESPADA: O destemido, que não se intimida fácil, geralmente tatuada no braço esquerdo;

BARCOS: busca a liberdade, geralmente são feitas no peito, na altura do coração;

ÁGUIA: liberdade;

MULHER NUA COM GENITÁLIA A MOSTRA: usuário de drogas injetáveis; geralmente feita nos braços;

FACA: armas brancas em geral fazem apologia a este tipo de ferramenta nos crimes, pode ser punhal, lâminas;

terça-feira, 30 de agosto de 2011

O meu "circo dos Horrores"

Não pude dar aula. O fim de semana foi tenso. A unidade estava ensanguentada, sons de cadeiras quebrando, muita gritaria. Passei a manhã toda na sala de professores, aproveitei para ler meus textos do mestrado e conversar com outros colegas de trabalho, na medida do possível, pois só os sons do que acontecia me desestabilizaram...

Por uma questão política, a mídia silenciou-se, ignorou o que está acontecendo. Afinal, como causar alarde na sociedade com relação aos menores se entre uma palestra e outra, o "nosso"governador cora de felicidade ao inaugurar mais uma antiga Fundação Casa, atual, Febem??

Mais que aprender com as medidas socioeducativas impostas a esses menores, eles aprendem e ficam verdadeiros mestres na arte de negociar. Tudo é negociado: a paz, o silêncio, favores, privilégios. Para mim, toda essa negociação, lembra aquele esquema que acontece entre morros no Rio de Janeiro e Estado. Acontece uma troca, os traficantes permitem que acontecam eventos como Olimpíadas, Copa, Pan Americanos, Para Pan, mas tudo tem um preço.

Essa semana não darei aula. Decidi, com muita dificuldade e pressão familiar, que só irei para a Fundação na próxima semana, esperando que os humores estejam melhores e mais pacíficos. Quando assisti o clipe do grupo Facção Central, o circo dos horrores, eu pensei que aquilo tudo é uma realidade denunciada, mas há uma outra que fica com medo de aparecer: "paz sem voz, não é paz é medo"


 


quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Tatoos.

Elas os entregam. Denunciam os crimes cometidos. Ouvi de um dos meus alunos: "o que vale é a emoção". Um curinga, uma carpa, cadeados, folha de maconha, teia de aranha, letras avulsas, um pontinho entre os dedos, dois pontinhos, três pontinhos, um "jogo da velha", uma cruz, se for na mão esquerda é um código, na direita outro. Se a carpa estiver de boca para cima é um significado, boca para baixo, outro.

Por isso é que digo que mais aprendo que ensino na Fundação. Eles são verdadeiros artistas! Tem os desenhos "detonadinhos", mas a maioria é coisa de profissional. Eles se desenham, impregnam o corpo de marcas, códigos e mensagens. Há uma comunicação efetiva. Funciona de forma "curiosa", sem palavras, sem marcar pontos de encontro.


Perguntei para um deles porque tatuar o símbolo que denuncia que ele é um "matador de polícia". Na minha "ingenuidade", achei que seria ruim, que o deixaria  em situação de risco. Há símbolos que emitem uma mensagem de respeito, de dignidade entre os seus pares, e isso é mais seguro e mais importante que se preservar de um encontro não muito amistoso com a polícia.

Pretendo fazer um guia de símbolos, explicar o que cada um deles quer dizer. Ao contrario do que se imagina, há sim com código de conduta (não de ética, como foi recentemente falado por um juiz no Rio de Janeiro) a ser seguido. Meu objetivo com este guia não é ser invasiva nem denunciar ninguém, até porque eles mesmos o fazem. Meu objetivo é para que se entenda o significado para além dos muros que nós nos cercamos.

Arte de Menino

O período matutino não teve aula. Ficamos nós, os professores, sem entender o real motivo.
No período da tarde as celas estavam brilhando de tão limpas! Irreconhecível! Perguntei de quem era a gentileza de tal feito, então entendi porque não tivemos aula.


Arte de menino. Menino de qualquer lugar, de fundação, de colégio particular, publico, de Minas, Rio de janeiro ou São Paulo. Um grupo (sem nome, afinal, ninguém é "caô") destruiu o cano do banheiro e vazou água até inundar as celas de aula. Foi uma aventura de menino, uma arte, uma movimentação que acabou em limpeza. Um grupo escolhido (não sei qual o critério dessa escolha) passou a manhã com rodo, pano e vassouras nas mãos. Nunca vi aquele lugar tão limpo. Mais que o capricho de limpeza, me chamou atenção um sorrisinho maroto "mei de lado"de um grupo. (sem nome, como já disse, ninguém aqui é  "caô"!)

Corpos Dóceis

Sei que devia estar afundada na bibliografia do meu mestrado, afinal é um sonho, um grande privilégio estar na mesma universidade de Sérgio Buarque. Estava eu fazendo um "tur"pela biblioteca Florestan Fernandes e um título pulou em mim e me agarrou! Não tive culpa, não fui procurá-lo!

Estou lendo Vigiar e Punir. É um livro fácil, prazeroso e inteligente. De forma coerente e sedutora, Michel Foucault foi me envolvendo nos "Corpos Dóceis". Há uma grande estratégia elaborada para um Vigiar e Punir na prática. Desde as arquitetura, até os símbolos, tratos na construção e permanência de uma Fundação.

Continuo lendo, pretendo terminar até o próximo fim de semana. Leio no trajéto e no ponto de ônibus. Preciso terminar logo, pois tenho na lista do mestrado Ginzburg, Peter Burke e Emilia Viotti para próxima semana.

Quebrando Tabus

Tratar de Liberdade me parecia estranho para a Cela de aula. Não sabia exatamente como começar este tema tão importante para o Século XIX. Minha proposta era iniciar as grandes revoluções, e consequentemente, Liberdade é um conceito importante.

Pensei que ninguém melhor que eles, que estão temporariamente privados da liberdade, para me dizer o que é liberdade. Tive respostas lindas, outras que é melhor não reproduzir. O fato é que para uns liberdade é não pagar impostos, para outros é ir e vir, tem quem diga que o ápice da liberdade é o uso de drogas. Ouvindo estes "conceitos"inevitável falar da proposta de descriminalização da Maconha. Tema que trouxe até alunos de celas vizinhas. Eles tem argumento e conhecimento de causa, sabem o que dizer quando querem chocar ou sensibilizar o outro.

Falamos muito sobre escolhas e liberdade. Agora eles estão como uns peixinhos no aquário. Breve serão lançados no mar, e lá as possibilidades são muitas. A vida do crime é só mais uma delas. Falamos sobre sistema penitenciário, sobre as formas de "punição" e "educação"que eles ficam submetidos.

Uma ideia comum entre eles é que o sujeito que foi roubado é um "playboy"que não conhece nada da vida. Contei para eles que tive meu carro roubado, e que eu não sou playboy! Trabalho muito, estudo, pego horas de trânsito, chuva e poluição para poder pagar minhas contas. Quando tive meu carro roubado fiquei com as prestações que foram duramente pagas, uma a uma. Foi uma escolha, uma opção. Podia ter me rebelado e acreditado que todos que roubam são uns pivetes de rua. Esse exemplo caiu como uma luva! Acho que alguns nunca tinham visto a sociedade como um corpo que trabalha, sofre, rala, paga impostos, contas e trabalha mais para alimentar o Leão :(

Falamos de aborto, uso de drogas, sexo seguro, tatuagens e seus riscos (eles conhecem bem, me deram uma aula sobre hepatite!). O que parecia estranho foi ótimo! Não adianta dizer que estamos lá para ensinar sobre Iluminismo, eles não ficam em sala se não lhes chamar a atenção.

Fizemos avanços com a matéria, consegui explicar um pouco do que pretendia, porém preciso ir mais longe. Fiz uma pesquisa sobre os conteúdos das provinhas dos Etecs (Escola técnica) e pretendo trabalhar um pouco deste conteúdo. Eles se interessaram, levei a relação de cursos, candidato por vaga e alguns dicas sobre emprego, trabalho, salário.

A História é meu "pano de fundo"onde me ancoro, me justifico e busco respostas. Tenho conseguido falar de temas como Maçonaria, bandeiras e símbolos nacionais e até uma "alfabetização", me permito as vezes ensinar uns truquinhos da gramática. Eles gostam e perguntam mais e mais. Estou satisfeita com eles. Meu problema na Fundação não são meus alunos. Há um sistema sustentado em burocracia e "negligência salutar" que trabalha para que pouca coisa funcione de forma efetiva.




sexta-feira, 12 de agosto de 2011

(In)tolerância 2

Falar de tolerância a alteridade numa cela de aula foi estranho. Me parecia não ser chão propício para cultivar o que gostaria, mas fui levada a ele, não tive escolha.

Falávamos de ditadura, também a partir de uma pergunta de um aluno: "Psôra, é verdade que a Dilma é bandida?" Para responder fui primeiro falar sobre ditadura, regime militar, tortura (um tema meio tenso para o lugar, as vezes tenho a nítida impressão que ainda há resquícios deste tempo...).
Olhos atentos, muitas perguntas, muitas opiniões, muita imaginação. Um aluno me disse que via uma novela do SBT que trata do tema, outro já logo falou que viu um beijo entre duas mulheres nesta novela. Não resisti! Tinha a faca e o queijo na mão! Não poderia "amarelar" naquele momento! Então contei para eles que esta novela exibiu o primeiro beijo gay da televisão brasileira. O circo estava armado! Foi despejado alí todo tipo de ideia preconceituosa e até covarde frente ao (in)toleravél por eles.

O solo foi mais fértil que o imaginado! Falamos de preconceito racial, de preconceito pelas tatuagens, de ser preso carregar esta marca. Cada um contou um exemplo (até o agente penitenciário que quando vi já estava assistindo aula e participando!), uns tristes, dolorido de ouvir, outros carregados de bom humor, outros de imaginação. Contei para eles o tipo de reação que causa nas pessoas eu ser professora na Febem, eles não gostaram de ser "vítimas"do preconceito do "mundão"(nome dado por eles para tudo que fica além na cadeia)

 Depois de rir, discordar, opinar, até debater calorosamente, fiz uma pergunta: "e se eu contasse para vocês que sou gay? E se eu não tivesse marido e sim um esposa? Eu seria pior professora por isso? Eu não seria digna de respeito de vocês?

Senti que meu recado foi dado! Que sensação maravilhosa! Quase ouvi a "ficha cair"na cabeça de alguns! E para terminar com chave de ouro, fui para casa com um sonoro: "vou pensar nesta aula" de um aluno que tem 22 anos, teoricamente ele já não devia estar lá, porém ele aguarda a parte burocrática.






Quem é o merecedor do "Sarrafo"?

Leiam este comentário: (Extraído de http://www.dgabc.com.br/News/5906067/menores-se-rebelam-na-fundacao-casa-de-aruja.aspx)

Damasceno
12/08/2011 às 8:59
Por isso que eu digo, adolescente bom é adolescente morto. Deviam descer o cacetete nesses moleques...o cara rouba, mata, trafica, e é tratado melhor que o coitado do pai de família pelo governo... e apronta uma dessas? Sarrafo neles!!!

Não sei quem é Damasceno, e nem faço questão de saber. Só lamento esta mentalidade de "sarrafo neles", este é só um exemplo de como trabalhar para que as coisas não funcionem. Estando lá dentro da Fundação, temo por duas coisas em específico: primeiro pela proposta falída de cumprir medida socio educativa e outra pela segurança, não só a minha, mas a deles. Não quero assumir aqui o papel de "Salvador da Pátria", não tenho tempo, grana nem conhecimento para tal, porém acho que só quem adentra aquelas celas tem condição de dizer que tipo de gente está lá, e mais que isso, a que tipo de "respeito e orientação" aqueles que estão alí para um processo de reeducação passam.

Assim como Gentileza gera gentileza, Violência gera Violência. Os adolescente da Fundação Casa se rebelaram na noite de ontem, fazendo um professor refém na unidade de Arujá. Pior que a notícia da rebelião são os comentário insanos que ouvimos ao longo da manhã. O que me deixa transtornada é que os mesmos que são adeptos da política do "sarrafo neles" compram notebook, tenis e video game a 50 reais na praça da República. Será que não percebem que estão alimentando um ciclo? Só se rouba porque tem que compre. Quando os menores saem a "caça", eles já sabem onde vender e até para que tipo de cliente. Existe o perfil do paulistano desinformado que compra um notebook de um adolescente qualquer na rua achando que fez um negócio da China!

A minha perspectiva é que muitos menores que cumprem pena são vítimas de uma sociedade injusta e excludente. Ninguém ali nasceu com o sonho de ser traficante, fazer assaltos ou qualquer contravencão. Sou a favor sim de cumprimento de pena, porém há crimes e Crimes (sim, este com letra maiuscula). Acertar um gay na avenida Paulista por ele ter outra opção sexual que não a sua, sim, é Crime e deve ser cumprida a medida. Porém cabe aqui outra questão: Será que alguém já se perguntou a que tipo de "aprendizagem"de tolerância e respeito este menores passam?

Sarrafo gera sarrafo, mas que é seu real merecedor?

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

(In)tolerância

Desculpem pela demora em postar novos acontecimentos. Estamos em um período tenso, muita mudanças na Fundação e algumas coisas precisam ser "digeridas"antes de lançadas no blog. De forma geral está tudo indo muito bem com as aulas. Quanto mais adentro este mundo mais aprendo que muita coisas não funcionam porque tem muita gente pra complicar, atrapalhar e até estampar um puritanismo que impede de ver o outro com alteridade. A Fundação não é lugar para se trancafiar no nosso mundinho e usar o conservadorismo como escudo. (Só um desabafo....)

A cada dia sou surpreendida com alguma pergunta, posição e até mesmo comportamental. Hoje a aula foi sobre Intolerância. Eu não acreditava que teria sucesso na discussão, mas entrei nela e fomos até os 45 do segundo tempo divergindo de opiniões. Porém vim pra casa feliz, uma sensação de missão cumprida. Um dos alunos havia dito que se encontrar um gay ele não suportaria. Depois de muita divergência e até uns picos de tensão vim embora, mas observei que ao longo da aula alguns alunos viravam a cabeça ligeiramente para a esquerda, num sinal de que estavam considerando a hipótese de pensar sobre o assunto.

Isso não tem dinheiro que pague! Estou cheia de ideais para a próxima aula.

Testando os limites.

Adolescente tem a necessidade de testar os limites. Ok, até aí nada de novo. Já fui adolescente, já testei meus professores, meus pais, minha família. Tenho também um exemplar em casa. Minha filha testa todos os limites. (as vezes passa deles também...)

No meio de um aula introdutória sobre o que pretendia pra semestre, havia muita conversa paralela. Enquanto eu perguntava sobre alguns temas que eles já estudaram, eu perguntava o que eles pensavam ser história e porque estudar história. Com March Bloch guiando o que respondia para eles por História, um aluno se levantou e disse: "psôra, o papo tá bom, mas é o seguinte, eu num gosto nem de estudar e nem de história. E mais, quanto é que a senhora ganha pra vir aqui dá aula pra nóis?" Pensei na possibilidade de ignorar a pergunta, mas a turma toda estava esperando minha resposta. Então respondi que ainda não sabia, que dependia de uma série de calculos que o governos faz. Depois de um risinho arrogante ele disse: "até nóis quando vamos vender droga a gente sabe quanto vai levá, e vem você dizer que não sabe?"

Outra situação de teste aconteceu na mesma aula por outro aluno. Eles perceberam meu sotaque "estrangeiro" (é o nome dado por eles para quem não é de São Paulo) e perguntaram muito sobre minha cidade, o que tinha lá, como era. Respondi, desenhei um mapinha e expliquei como era. Um aluno falou: "Psôra volta pra tua terra. Aqui num é mole não. Já imaginou se sua filha entra pro crime?" Outro aluno falou: "É psôra! Num vale! E se sua filha entrar pra vida do crime, a senhora ia abandonar ela aqui?"

Outos testes já aconteceram e sei que ainda não passei por todos. Tento de forma coerente e séria responder na medida do possível.