O que é Celas de aula?

Este blog tem por objetivo detalhar minha experiência como professora de uma unidade da Fundação Casa em São Paulo (antiga Febem)

quarta-feira, 27 de julho de 2011

E agora José?

Empolgados com a professora nova e testando todos os limites, um dos alunos me pediu pra levar um clipe de rap. Pensando em Rap como os cantados por Gabriel Pensador não achei que fosse problema, até porque algumas letras podem ser usadas como introdução ou conclusão de um tema trabalhado.

Gostei de ideia e achei que era possível. Já fiquei pensando em qual música escolheria, pensei em levar a letra impressa e propor um dialogo, um espaço de falar e ouvir o outro. Mais que conteúdo de história, vejo a atuação do professor como uma missão de ensinar humanidade, tanto que não sou contratada com professora de História e sim professora de Humanidades.

Qaundo estava já pra sair da "cela de aula"um dos alunos me perguntou de eu conhecia o que é rap, eu achei estranha a pergunta, mas disse que sim. Ele come;cou a dizer vários nomes de rapers, letras, bandas, das quais eu nunca tinha escutado falar. Então anotei alguns nomes para fazer um pesquisa na internet.

A pesquisa foi dolorosa. A cada clipe que assistia ficava horrorizada! Primeiro porque se meu coordenador imaginasse que estava pesquisando isso, ele deixaria de me achar irresponsável, ele teria certeza! Segundo que levar esses clipes onde mostra sangue, violência, assassinato, uso de heroína, crack, me parecia não ser coerente com o que eu pretendia, além de não ser nada cofortante, tanto quanto o episódio das tesouras na cela (já contado num texto anterior). Facção Central foi o mais leve que encontrei, mesmo assim as imagens não eram indicadas para menores. Acho que o maior problema gira em torno da minha insegurança.

Não me sinto segura para conduzir estes temas. Há vias de usá-los para as aulas, porém preciso ter mais experiência e firmeza para propor e saber direcionar o que quero que seja evidenciado. Só me vinha na cabeça uma frase: "e agora josé?", a luz apagou, a esperança fugiu, a incerteza se instalou, e daí por diante. Acho que só Drummond me entenderia.

Isso me tirou o sono. Seria cobrada por eles. Pensei em Rap Gospel. Sofrível! Além do que sou professora não pastora! Talvez rap das Tchuchucas! Não tem nada alí além de bundas! Me vi sem saber o que fazer. Foi então que achei uma "melodia", as batidas do rap tocadas sem letra. Foi a visão, ou audição, do paraíso!
Vou trabalhar um tema de história e levar só a música. A proposta é que eles façam as letras sobre o  conteúdo no rap.

Assim que conseguir dar esta aula, posto o resultado aqui no blog.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

O botãozinho da consciência social

Já estava me sentindo em casa. A insegurança inicial já tinha ficado no caminho. No trajeto de casa até a Fundação vou pensando, lendo, me preparando psicologicamente. Neste dia estava feliz! Feliz por nada, sem motivo. (Felicidade não tem que ter explicação e sim tristeza) Depois de uma dobradinha na mesma cela de aula, ou seja duas aulas seguidas, me despedi. Hora de ir pra casa terminar de cumprir as tarefas diárias: ler, estudar, escrever, alimentar este blog ( acaba virando um compromisso!), tarefas domesticas, lições de casa com minha adolescente particular. 

Me despedi, desejei um ótimo fim de semana e já estava esperando o agente me liberar, abrir a grade. (Fico presa também) Quando um aluno, de uns 14 anos com cara de amiguinho da minha filha me pergunta: "a senhora não vai voltar, né?" Me surpreendi, estava até cantarolando, distraída. Perguntei porque não voltaria, então ele diminuiu minha felicidade e ligou o botãozinho da consciência e reflexão social: "Porque nóis aqui é tudo animal, tudo bicho. É o que todo mundo acha, o mundão fala isso de nóis."

Fiquei sem saber o que dizer, o que é normal pra mim, e disse de impulso que eu não achava e que por isso eu estava ali, que sou professora e não veterinária, por isso voltaria. O agente me liberou, abriu as grades e fui para casa, tentando desligar o botãzinho da consciência social e ligar o de feliz por nada.

O poder da Barba Branca

Não cabe a mim julgar, nem tenho conhecimento para tal. Saí hoje da minha cela de aula me questionando até que ponto as medidas sócio educativas atingem o objetivo com esses menores infratores presos em regime fechado.

Não tenho a solução, não sei dizer se mantê-los livres seria melhor ou pior. O que sei é que ficar preso faz mal pra cabeça, nos faz perder aquilo que temos de mais humanos que é a curiosidade. As grades são limitantes e limitadoras. Vejo alguns dos meus pares com uma vontade enorme de fazer alguma diferença, de realmente conseguir trabalhar e ver o fruto do trabalho. Eles também sofrem com o poder limitador.

Tenho um grande amigo que adoro conversar, sempre aprendo muito com ele. É um senhor de 60 anos com a força de um samurai e a criatividade aflorada. As conversas dele tem um poder transformador, muitas vezes ele diz coisas óbvias que até então eu não tinha pensado. Outro dia ele dizia sobre "apreciar" as diferenças, que só respeitá-las é pouco. O que mais gosto das muitas expressões criadas por ele é sobre o poder da barba branca. Segundo ele, só com este poder é possível perceber e compreender algumas coisas. Tal poder nos dá clareza e sensatez, nos permite ter os pés no chão e devanear na medida certa. Espero muito por este poder, porém sem a barba!

Se alguém munido deste poder adentrar a Fundação, talvez consiga diagnosticar algo que pra mim não está claro. O que vejo, é que o modelo que existe não é efetivo, é falho. Não justifica manter tal estrutura para tão pouco resultado. Por enquanto só sei apontar as falhas, não tenho a solução. Espero pelo poder da Barba Branca.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Quem é a vítima?

Opinião...

A sociedade moderna é, por excelência, baseada nas divisões e nas diferenças, sejam elas de carater social, étnico, de gênero, sexo, entre outros. Talvez o maior dos desafios seja não converter as diferenças em desigualdades, subordinando um grupo em detrimento ao outro. O papel fundamental dos Direitos Humanos é garantir a distribuição e acesso as leis fundamentais.

Profundamente atravessada por diferenças, o crime está erroneamente associado a pobreza, nela se encontram os indivíduos que, equivocadamente, são classificados como não sendo um sujeito de direitos. Essas ideias preconceituosas, que muitas vezes são alimentadas pelas mídias animam e justificam o discurso de extermínio desses sujeitos. A criminalidade é consequencia da falta de educação(formal ou não) e escolaridade, e não vinculada a pobreza. Vejo a pobreza como consequencia. Um círculo vicioso.

Dentre muitos desafios, podemos evidenciar que há um espaço reduzido para a divulgação de que forma os Direitos Humanos são violados. Não é proibido denunciar, porém o espaço em que estes temas são tratados, ainda são as mídias elitizadas, onde se alcança os já "convertidos" e adeptos da discussão, desta forma não há um constrangimento efetivo, de maneira a alterar as práticas dos sujeitos que mesmo quando violam os Direitos Humanos ficam imunes a qualquer tipo de punição em função de pertencer a determinada etnia, classe, nível de escolaridade, altos cargos políticos ou estatus social.

Os Direitos Humanos representam o direito do valor da pessoa humana, é onde, teoricamente, os indivíduos são portadores de um patrimônio comum. A temática dos Direitos Humanos diz respeito ao valor da dignidade da pessoa humana. A violação dos Direitos Humanos surge como algo que foi sentido por todos depois do que fio a experiência totalitária, cujo paradigma do horror foi o Holocausto. No Brasil começamos a usar a expressão por volta de 1960, com forte influência da Declaração Universal. O golpe militar de 64 inaugurou um período de práticas de tortura, violência, ações arbitrárias, nasce, em consequência disto, um novo Brasil. Como diz Montesquieu "a força do grupo compensa a fraqueza individual", está foi a ideologia necessária para resistir a ditadura e instaurar organizações sociais importantes para o encaminhamento e a afirmação dos valores humanos. Quando um homem é torturado ou humilhado em seus direitos básico a humanidade é ofendida.

A constituição de 1988 passa a garantir direitos sociais contundentes e cria mecanismos orçamentários, principalmente para as áreas da educação e saúde nos anos 90. O país tem uma solida e estruturada democracia, um processo eleitoral honesto, porém ainda são violados direitos civis básicos como a vida e a integridade física.

Em suma, a palavra-chave é: ACREDITAR. De nada adianta a tantas leis e normas se o que a gente percebe é a ausência disto. Acreditar em nosso trabalho, no colega de nosso convívio, no adolescente que cumpre pena.
 
... mero desabafo.

Questão de "dialetos"

A Língua Portuguesa é mesmo Maravilhosa! Tenho orgulho de falar na mesma língua de Fernando Pessoa. Os sotaques do sul e do norte, o "mineires" diferem mas se reconhecem na comunicação. O dialeto usado dentro das "celas de aula" muitas vezes, não parecem Português, precisam de tradução simultânea para que haja comunicação.

No primeiro dia que adentrei a Fundação ouvi expressões que ainda não sei transcrevê-las, com o tempo, pretendo fazer uma espécie de dicionário aqui no blog. Pode ser útil, a gente pode precisar sacar do bolso uma expressão que seja compreendida por outras tribos.

"Saia justa"II

Sei que estes verbetes de "Saias Justas" serão os mais frequentes, pelo menos até eu pegar a jeito certo de conduzir as situações que mais me tocam ou me chocam. Mas, enquanto isso não acontece, vamos a eles:

Estávamos eu e mais uns 12 alunos na "cela de aula" preparando enfeites que iriam dar cor as paredes amarronzadas e cinzentas na Festa Junina (Sim, ele tem festa Junina! E como qualquer adolescente ficam eufóricos.) Além de mim e os alunos, tinha também cola, barbante, papel para cortar bandeirinhas e 4 tesouras, as quais eu vigiava como se elas tivessem vida própria e fosse evaporar a qualquer momento. Eu era responsável por cada objeto ali, e aquelas tesouras pareciam não harmonizar com o ambiente.

Só o fato de ter esse bendito objeto cortante já me deixou mais tensa. Se caderno pode ser perigoso, que dirá tesouras, e 4! Muitas folhas de cartolina desenhadas, com mensagens de Festança mudavam a cor e os ânimos. Ali tem verdadeiros artistas! Desenhos super bem feitos, coloridos e alegres. Tem também os "detonadinhos", mas são a minoria. Arte é aflorada entre muitos deles, que fazem até suas próprias tatoos (Umas lindas e outras "detonadinhas". Umas curiosa, chamam atenção pelo simbolismo e riqueza de detalhes, outras pobres e bem simples)

Voltando ao clima entre bandeirolas e tesouras, um aluno me perguntou: "psôra que hora a senhora vai pra casa?" Eu falei que não ia demorar, seria perto das 15 horas. Ele, sagaz, percebendo talvez minha preocupação, disse: "bom pra senhora, porque as 18 vai ter rebelião". Silêncio na "cela de aula", só se ouvia o som da tesoura cortando as bandeirolas. Eu sem saber o que dizer, mais uma vez, mudei de assunto...

Ah, levei comigo para fora da cela todas as tesouras, cola, barbante...

Minha primeira "saia justa" na "cela de aula"

Além de muitas tatoos, há um outro elemento comum a todos: o enfrentamento. O clima nem sempre é tenso, como qualquer adolescente, eles estão em fase se impor valores e se auto afirmarem. O que os diferencia dos adolescentes do "mundão"(Nome que eles dão para classificar tudo que é fora da cadeia) são os valores a serem afirmados. O que é respeitado entre eles é a apologia ao crime e a malandragem. Em qualquer ambiente o ser humano precisa da aceitação do outro pra se reconhecer, aqui estamos tratando de adolescente que cumprem pena sócio educativa, os valores não são condizentes com o que se espera numa convivência harmônica social.

No último dia de aula antes de começar as féria escolares, (sim, eles também tem direito ao recesso em julho, como qualquer mortal!) ganhei de presente um porta retrato feito por um dos alunos. A orientação é nunca aceitar nada de presente, mas como dizer: "não, não quero, obrigada"ou "não posso aceitar", qualquer coisa diferente de aceitar e agradecer me pareceu agressivo, então aceitei e agradeci. De fato é um porta retrato legal, feito de origami. Está na minha sala com foto da família e todos que olham o objeto dizem: "parece coisa de presidiário" Preconceito? Identidade? Não sei o que remete a ideia....

Neste episódio o mais curioso foi a fala do aluno que me presenteou. Ele disse: "lá em casa tem uma par desse, minha mãe tem um pote de sorvete cheio de arte de cadeia. Eu sempre faço, meu padrasto também faz" O que dizer depois disso?? Minha opção, pela minha falta de preparo, foi mudar de assunto. Espero saber conduzir melhor da próxima vez.

Instintos selvagens

Surtei! Nada me convence do contrário! Para chegar na Fundação pego ônibus, trânsito, chuva (garoa com frequência), muita poluição (A Raposo Tavares tem uma poluição sólida, cinza e barulhenta), e estou contando os dias para as férias acabarem. As dificuldades para chegar na Fundação começam pelo transporte. Apenas dois ônibus passam por lá e eles são raros.

Outra dificuldade é a pressão familiar. Compreendo a apreensão do meu pai, para ele sou uma sobrevivente. Todos os dias, obrigatoriamente, ligo para ele assim que saio da Fundação, só pra garantir que estou bem. As ofertas são muitas, desde propor de me pagar o dobro pra não ir  dar aulas até chantagens emocionais. Minha mãe usa outra estratégia, ela não toca no assunto, segundo ela, sou movida pelo contra, então a tática é ignorar todas as minhas insanidades. (são muitas insanidades...)

Dar aula na "cela de aula" desperta reações até em quem não me conhece. Quando salto no ponto em frente a Fundação é possível sentir a piedade do cobrador do ônibus. Ele me segue até me ver entrar e sumir pra dentro da Febem. Há quem pergunte, como quem não quer nada, o que eu vou fazer lá. Desperta curiosidades, piedade, medo, pânico, alguns instintos selvagens.

Outro dia perguntei ao motorista se o ônibus que ele dirigia ia até a Febem, ele franziu a testa e disse: "vai sim, mas o que você vai fazer lá?" (Me senti remetida a cidade pequena. Como São Paulo nos faz ser invisíveis, ninguém nunca me perguntou nem a hora na rua. Cada um que tenha seu próprio relógio afinal!) Eu respondi ao motorista que ia trabalhar. Não satisfeito com minha explicação superficial, ele voltou a perguntar: "você vai na parte feminina?". Respondi a ele que eu dou aula na ala masculina pra menores infratores. Surpreso ele perguntou: "Não tinha nada mais perigoso pra fazer?". Imediatamente eu respondi: "Tem sim, ser motorista em São Paulo". Fim de papo.

Tudo depende do ponto de vista. Não vejo como perigo o que faço e sim como necessário e importante a ser feito. Nada contra motoristas de ônibus, muito pelo contrário. Tenho que agradecer por conseguir chegar, mesmo em meio ao caos diário, nos lugares que preciso. Sou contra as estigmatizações e preconceitos. Sei que o que colocou meus alunos como internos na Fundação foi o crime, porém vejo ali meninos que deveriam ser socorridos pela saúde pública, não pela segurança pública.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Primeiro dia em "cela de aula"

Impactante e indescritível! Uma cela como espaço de aprendizagem. Enquanto ao longo da minha graduação eu pensava em power point, bibliografias adequadas como ferramenta de ensino, agora tenho os seguintes instrumentos: voz e criatividade. Da sala de aula para a "cela de aula" precisamos pensar algumas adequações. O rap é um aliado, um meio de "comunicação" e um caminho entre mim e os alunos.

Uma breve descrição da cela: é aquilo que faz parte no nosso imaginário! Uma única janela, sendo ela lacrada e com grades. Escura e fria, tem um odor de armário fechado. Limpa, chão vermelhão liso. Na porta da "cela de aula"ficam dois "trogloditas" também conhecidos por agentes penitenciários. Estes agentes me causam muito mais medo que qualquer aluno detento. A orientação dada pelos agentes é a seguinte:"se precisar é só gritar, a gente tâmo aqui de fora." Espero sinceramente NUNCA precisar!

Os alunos não tem canetas, cadernos, lápis, borracha, apontador. Esses objetos são artigos de luxo. A cada aula nós, professores, pegamos na coordenação uma mochila com os materiais escolares contados, levamos para a "cela de aula" e temos por obrigação de sair da sala com tudo que entramos. Revistados na entrada e na saída nós, professores, somos cobrados por cada objeto que levamos pra dentro da "cela de aula". 





Ensinando e aprendendo na Febem

Não sei dizer se estou mais aprendendo ou mais ensinando. A cada dia um novo desafio. Dar aula na "cela de aula" é sem dúvida algo que não planejava. Este blog tem tem por objetivo detalhar minha experiência como professora de uma unidade da Fundação Casa em São Paulo (antiga Febem). Assim como muitos professores, só conhecia esta realidade via artigos, livros e relatos de pares que eram vistos como verdadeiros Heróis, por adentrar uma cadeia para levar um pouco de seu conhecimento. Dar aula na Fundação Casa foi uma escolha, uma opção da qual tenho muito orgulho, em função disto, pretendo não entrar na questão de remuneração pelo trabalho, só saliento que o que me motiva pegar ônibus, enfrentar trânsito, poluição não é nem de longe o salário e sim a sensação de que posso levar um pouco de Humanidade e Cidadania num espaço em que estes valores fazem toda diferença.

Motivador, inspirador, instigante. Acredito que assim defino minha entrada neste espaço. Os alunos são menores infratores reincidentes que cumprem pena socioeducativa em regime fechado.As aulas são ministradas em um espaço de cela, fico "presa" com eles e me sinto muito respeitada e orgulhosa de estar entre esses alunos, que a meu ver, são vítimas de um processo social excludente.

Meu primeiro contato: me senti protagonista de um filme como "Estação Carandiru". O som, o odor, as cores acinzentadas e amarronzadas ajudam a enfatizar o clima tenso. Logo quando adentramos o complexo, somos revistadas e monitoradas pelos agentes de segurança. Todos com vestimentas pretas e com expressão séria. Passamos pela administração e corpo pedagógico. O meu coordenador me apresentou meus colegas de profissão e deu algumas dicas, dentre elas o de nunca dar informações pessoais para os alunos. Sinto que minha maior dificuldade vai ser de manter o distanciamento necessário, acertar a medida entre o papel desempenhado como professor e de colega que permite algumas confissões.

Minha angustia e ansiedade era para conhecer o espaço onde estes menores iam me receber. Munida de avental branco e muita curiosidade fui até a unidade. Mais uma vez revistada, o agente penitenciário abriu o primeiro portão de acesso e o fechou assim que dei dois passos. Fiquei presa entre um portão de chapa e uma grade que só é aberta quando o portão de chapa atrás de mim é completamente fechado, desta forma os detentos não conseguem ver nada para além das grades. Com o perdão da palavra, a sensação que melhor descreve este momento é: Fudeu! O que eu vim fazer aqui?

A primeira vista tem uma quadra central e muito meninos de 14 a 21 anos andando, correndo, gritando. Todos com calça azul escuro com a logo da escola e sem camisa. A tatuagem talvez seja o que é comum a todos. Ao contrário do que imaginava, não senti medo e sim uma sensação que faria daquela experiência um divisor de águas na minha vida enquanto professora. Por alguns minutos fiquei rodeada de alunos, todos perguntando e pegando na minha mão para dar as boas vindas. Enquanto andava até a "cela de aula" eles me acompanhavam e a primeira pergunta que me chamou atenção foi: "psôra, de que quebrada cê é?" Não me senti acuada e sim desafiada. O que responder? Meu primeiro impulso foi dizer que não é quebrada e sim região, bairro. Imediatamente ouvi algo como: "ela não entende nossa fala..." e então respondi que seria uma troca, eu iria falar no meu "dialeto"e traduzir pra eles, em troca queria também uma tradução. A aceitação foi automática e, como todo adolescente, os teste também...